Multa por interromper, restringir ou perturbar a circulação na via - artigo 253-A do CTB. Como recorrer da multa?

Atualizado em 29/7/24 | Publicado em 29/7/24

Desde 2016, por meio da Lei nº 13.281/2016, houve o acréscimo de um artigo específico no Código de Trânsito Brasileiro que prevê como infração de trânsito o fato de o motorista deliberadamente interromper, restringir ou perturbar o trânsito na via sem autorização de autoridade competente.

Mas notamos que os agentes de fiscalização têm abusado deste tipo autuação, sobretudo em atos de manifestação popular ou mesmo quando há infração, mas claramente não foi a intenção do condutor em interromper ou perturbar o trânsito, por isso devemos entender melhor as situações que efetivamente a lei autoriza a aplicação desta multa, especialmente acerca do correto preenchimento do auto de infração.


Definição da infração, valor da multa, suspensão da CNH

O CTB (Código de Trânsito Brasileiro), no artigo 253-A, define que caberá a autuação se o condutor for flagrado na situação de “usar qualquer veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre ela”.

As penalidades são:

  1. multa multiplicada por 20 vezes, cujo valor atual é de R$ 5.869,40 (293,47 x 20), podendo ser dobrada se houver reincidência em 12 meses; e
  2. suspensão da CNH por 12 meses + curso de reciclagem.


O que devemos nos atentar no preenchimento do auto de infração de trânsito?

Já podemos notar que o texto da lei traz alguns termos importantes, como: “deliberadamente”, “interromper”, “restringir” ou “perturbar a circulação”.

Isso já deixa claro que o agente policial não pode multar o motorista sem haver o registro de fatos objetivos: a vontade deliberada de interromper, restringir ou perturbar o trânsito.

Devemos lembrar também que o preenchimento do auto de infração é inteiramente regulamentado pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito), nas chamadas Fichas de Fiscalização. Para cada infração haverá pelo menos uma Ficha, as quais compõem o chamado Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT).

O Contran editou então três fichas, de códigos 761-71, 761-72 e 761-73. E cada ficha possui um código, por isso que nas notificações podemos identificar o artigo da lei (do CTB) e o código da infração, esse código corresponde à ficha de fiscalização utilizada.

A diferenciação dos códigos para cada situação esta na conduta de interromper (761-71), restringir (761-72) ou perturbar (761-73), em conformidade com os verbos citados no artigo 253-A do CTB, que vimos no início.

E nestas regras especiais editadas pelo Contran temos quatro diretrizes que de fato vão regulamentar e limitar a atuação policial a fim de evitar excessos e multas injustas e ilegais. São nomeadas assim: “Quando AUTUAR”, “Quando NÃO autuar”, “Definições e Procedimentos” e “Exemplos de Campo de Observação do AIT”.

Assim, cabe ao agente observar e anotar no AIT os fatos que efetivamente são tipificados como infração, sob pena de nulidade (cancelamento) do auto de infração de trânsito, por consequência o cancelamento da multa.

Por exemplo, para o caso da multa vinculada ao código 761-73 (perturbar a circulação na via), determina a Ficha em “Quando AUTUAR”, se for verificado que: “Veículo em movimento ou estacionado na via fora da pista de rolamento usado para, deliberadamenteperturbar a circulação na via, sem autorização do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via.”

Observe que sempre haverá o termo “deliberadamente”, isso já deixa bem claro que deve haver o registro de fatos que comprovem a intenção, a vontade, a atitude deliberada do condutor em praticar a perturbação, ou a restrição, ou a interrupção do trânsito na via.


Quando não cabe a autuação 

Em “Quando NÃO Autuar”, prevê a Ficha pelo menos 12 situações em que não poderá haver a autuação do motorista. Vamos citar três exemplos aqui:

  1. Veículo participante de evento organizado, que tem a consequência de restringir a circulação na via, mas não é essa a intenção deliberada do participante do evento, utilizar o enquadramento específico: art. 174 do CTB, conforme o caso;”
  2. “Veículo estacionado ou parado na via, sem a intenção de interromper, restringir ou perturbar a circulação, utilizar os enquadramentos previstos nos art. 181 e 182 do CTB, conforme o caso;”
  3. “Veículo transitando ao lado de outro veículo, interrompendo ou perturbando o trânsito, nos casos em que não se verifique a vontade de deliberadamente interromper o trânsito, utilizar enquadramento: 576- 20, art. 188”; etc.

Agora veremos algumas definições fornecidas pelo Contran, as quais nos ajudam a entender melhor o conceito da infração.


Definições para o correto enquadramento da infração de trânsito

Em “Definições e Procedimento”, a Ficha de Fiscalização traz algumas definições a fim de subsidiar o correto preenchimento do auto de infração:

  • PERTURBAR deliberadamente a circulação na via: veículo que de alguma forma cause prejuízo à circulação, estando em movimento ou estacionado na via fora da pista de rolamento.
  • Este enquadramento se caracteriza quando o agente fiscalizador verifica que a perturbação é provocada intencionalmente pelo condutor, se evidenciando pela ocorrência anterior ou concomitante de manifestação, paralisação, greve ou qualquer ato de reivindicação e caracteriza-se pela aglomeração de outras pessoas com o mesmo propósito, quando não autorizada.


O que alegar no recurso administrativo contra a multa de trânsito?

Vimos acima critérios bem definidos para autorizar o agente policial a lavrar o AIT.

Então, inicialmente, devemos lembrar que o ato de manifestação é garantido pela Constituição Federal, portanto o Poder Público não pode restringir ou proibir este direito fundamental, tampouco se utilizar de uma coação indireta por meio da aplicação de multas de trânsito.

Como vimos, nas variadas situações que NÃO permitem o enquadramento da infração, em “Quando NÃO Autuar”, primeiro são excluídas de multa as situações mais óbvias, como a participação do motorista em eventos autorizados, as situações de restrição do trânsito em virtude de acidente ou quando o veículo fica imobilizado por falta de combustível.

Já adentrando o mérito propriamente dito, vale recordarmos o termo “deliberadamente”, e como já dissemos, deve haver o registro da intenção, da vontade, da atitude deliberada do motorista em praticar os verbos tipificados no artigo 253-A do CTB: perturbação, restrição, ou interrupção do trânsito.

Sendo assim, p. ex., se o motorista estava estacionado ou parado, sem a intenção de interromper, restringir ou perturbar a circulação, não cabe a autuação com base no artigo 253-A.

Do mesmo modo, mesmo no caso de haver veículo transitando ao lado de outro veículo, interrompendo ou perturbando o trânsito, nos casos em que não se verifique a vontade de deliberadamente interromper o trânsito, também não cabe a multa gravíssima.

E assim se sucede em variadas outras situações…

Também cabe esclarecer que, como se vê, embora algumas situações previstas possam ser enquadradas em outras infrações previstas no CTB, não pode a autoridade de trânsito converter ou alterar o AIT após sua lavratura, só caberá a anulação da multa aplicada irregularmente na decisão do recurso administrativo.

Em resumo, devemos ter como ponto inicial que o ato de manifestação é um direito constitucional garantido, isso não pode ser restringido por meio da aplicação de multas ao bel-prazer da autoridade policial. Ato seguinte, devemos verificar se o motorista realmente estava deliberadamente causando algum prejuízo quanto à fluidez do trânsito.

Na mesma linha de raciocínio, podemos imaginar uma situação mais ampla, não raro, poderá haver situações em que a autoridade policial percorrerá o local da paralização e/ou manifestação e faz várias autuações, sem a abordagem ou identificação pessoal dos condutores, já que a lei permite a autuação à distância.

Neste caso, evidentemente, muitos veículos parados ao longo da via sequer faziam parte da paralização ou manifestação, tampouco os motoristas tinham qualquer intenção de restringir o trânsito, mas imobilizados justamente por causa da paralização dos veículos à frente. Logo, a multa é ilegal.

Interessante pontuarmos que, embora haja permissão para a autuação sem a abordagem do motorista, mas também podemos questionar como o agente policial irá aferir a intenção do condutor sem ao menos fazer uma abordagem pessoal?

Vale lembrar que o motorista também poderá apresentar provas em seu favor, isso certamente reforça sua versão dos fatos e ajudará no deferimento do recurso, a exemplo de ordens de carregamento ou notas fiscais de transporte do dia da autuação, ou outros documentos que comprovam a ausência deliberada de participar do evento que gerou a multa.


Outros fatores para recorrer da multa de trânsito

Além do que dissemos em relação ao preenchimento do auto de infração, há outras situações que também podem gerar a anulação da multa, que dizem respeito às formalidades do processo administrativo, ou seja, quando verificada alguma irregularidade.

Por exemplo, após a autuação, o órgão de trânsito possui o prazo de 30 dias para a expedição da notificação da autuação, sob pena de nulidade do próprio AIT; também há prazo para a segunda notificação de imposição da multa. A respeito das decisões administrativas, devem ser devidamente fundamentadas, também sob pena de nulidade do processo e da multa, entre outras situações.

Nos casos de ausência de notificação, temos um artigo específico Aqui.

Aliás, é comum que as notificações sejam endereçadas só ao proprietário do veículo, mesmo no caso de o condutor autuado pessoalmente não ser o proprietário do veículo, esse fato também pode ser discutido como tese de defesa, já que o condutor acaba sendo prejudicado em seu direito de defesa por justamente não ser notificado posteriormente à autuação.


O recurso suspende a multa? Mantenho a CNH regular para dirigir se entrar com o recurso administrativo?

Sim, a suspensão da multa e a manutenção da CNH regular em favor do motorista é um direito assegurado pelo Código de Trânsito Brasileiro enquanto estiver em análise os recursos administrativos.

Esse é o chamado efeito suspensivo, mas precisa haver recurso contra a multa.

Veja que, ao entrar com o recurso contra a multa, a lei assegura ao motorista alguns direitos básico, e o principal é o efeito suspensivo, ou seja, quer dizer que a multa pode ser suspensa (o proprietário do veículo tem a opção de pagá-la no vencimento normal [com 20% de desconto] ou aguardar o julgamento dos recursos), e a CNH também continua regular para dirigir, sem qualquer bloqueio de suspensão (pode dirigir normalmente durante o trâmite dos recursos administrativos).

Mas, só lembrando, aquele desconto de 20% no vencimento original da multa não é prorrogado até o final do processo (até a decisão final dos recursos).


Posso pagar a multa e recorrer? Se eu pagar a multa atrapalhar o recurso administrativo?

Sim, o motorista pode pagar a multa e ao mesmo tempo recorrer da multa, já que o pagamento não interfere na análise do recurso.

Essa também é uma dúvida comum. Portanto, o pagamento da multa não quer dizer que o motorista está assumindo a culpa pela infração, mas fique atento na opção dos descontos, se 20% ou 40%.

Explico. O motorista poderá pagar a multa e continuar recorrendo normalmente, isso é previsto na lei (§ 2º do artigo 284 do CTB), SALVO se se tratar da situação específica do caso da notificação eletrônica (SNE) e opção da renúncia recursal para obtenção do desconto de 40% do valor da multa.

Para que fique claro: sobre o pagamento da multa com o desconto de 20% (regra geral), o condutor/proprietário do veículo poderá recorrer da multa normalmente. No caso do Sistema de Notificação Eletrônica – SNE, o qual a lei prevê desconto de 40% do valor da multa, não poderá haver recurso, porque nesse caso o proprietário deve concordar com o AIT e a multa imposta para fazer jus ao desconto de 40%.

Note que o pagamento da multa não traz prejuízo aos argumentos de defesa. O pagamento até a data de vencimento original terá o desconto tradicional de 20%, mas o pagamento realizado ao final do processo – após o vencimento original – não mais terá o desconto caso os recursos não obtenham êxito, por óbvio.

E, se houver o pagamento e ao final haver o cancelamento da multa, há o direito ao reembolso do valor corrigido (§ 2º do artigo 286 do CTB). O reembolso não tem sido burocrático e é feito na própria via administrativa.

É importante reforçar: o vencimento original da multa que confere 20% de desconto não é prorrogado por causa do recurso, ou seja, depois do prazo de vencimento não mais haverá o desconto.


Quais as chances de o recurso administrativo dar certo? Compensa recorrer?

É muito comum a pergunta: compensa recorrer? A resposta é: depende de cada caso!

No processo de autuação, preenchimento do auto de infração (AIT) e depois todo o andamento do processo para imposição da multa, por parte do órgão de trânsito, há inúmeras regras formais previstas em lei e em resoluções do Contran. Nem mesmo o preenchimento do auto de infração é isento de falhas.

A defesa que trará bons resultados deverá ser elaborada com atenção aos detalhes de cada fase, e a cada fase avançada no processo há mais regras a serem observadas pelos órgãos de trânsito. É a inobservância ou falha sobre alguma regra do procedimento que será o ponto chave de sucesso do recurso. Cada caso é um caso.

Como vimos acima, o modo como foi preenchido o auto de infração merece uma análise minuciosa, bem como o motorista pode também (e deve) levantar provas a seu favor, inclusive o tipo de veículo também pode ser um fator de ajuda na defesa, já que um veículo de pequeno porte em tese não teria condições, p. ex., de interromper o trânsito dependendo da via descrita no auto de infração. 

Há ainda que se verificar, após o auto de infração, os prazos no processo, as decisões (se fundamentadas pelo órgão de trânsito), sobre a prescrição (demora sobre o julgamento dos recursos), entre outros fatores.

Para uma análise mais detalhada, entre em contato conosco.

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