Remessa da Notificação ao endereço do Proprietário vs. Condutor autuado que não é Proprietário do Veículo

Atualizado em 29/7/24 | Publicado em 29/7/24

Notificação de multa de trânsito endereçada somente ao proprietário do veículo

Um ponto que merece atenção no momento de elaborar a defesa administrativa contra multas de trânsito é a ausência do envio das notificações de autuação e de multa ao condutor identificado na autuação que não é proprietário do veículo. 

Isso ocorre tanto com a notificação da autuação quanto com a notificação de penalidade (esta última chamada também de “notificação de multa”) e igualmente para as demais notificações ao longo do processo caso haja interposição de recurso.


Proprietário vs. condutor

Observe, estamos falando do condutor identificado no auto de infração que não é proprietário do veículo (o proprietário do veículo não cometeu a infração, e sim outra pessoa).

Neste caso também estamos tratando evidentemente das infrações típicas (ou exclusiva, ou de responsabilidade) do condutor, ou seja, a responsabilidade pela direção do veículo é atribuída exclusivamente ao condutor. Mas devemos compreender que a multa, em seu aspecto unicamente financeiro, será sempre cobrada do proprietário do veículo.

A cobrança financeira, para que já fique claro, será sempre vinculada ao proprietário (seja condutor ou não, seja pessoa física ou jurídica).

O que ocorre é o seguinte. Quando lavrado o auto de infração, seja infração de responsabilidade do proprietário, seja infração de responsabilidade do condutor, indistintamente, a penalidade imediata e direta será a multa (penalidade financeira), cujo processo administrativo será vinculado ao veículo, à placa do veículo, por uma questão, entendemos assim, de padronização e facilitação dos métodos de se exigir (e receber) o futuro pagamento da multa, porque será já exigida junto as demais taxas para o licenciamento anual do veículo após seu vencimento.

E assim tem sido no dia a dia. A notificação da autuação (e demais notificações do processo de imposição de multa) é enviada ao endereço de cadastro do veículo, conforme consta na base de dados do Detran.

Isso ocorre, repita-se, mesmo nos casos de infração de responsabilidade do condutor (autuado em flagrante) e este não é proprietário do veículo, como, por exemplo, nas infrações da “lei seca”, “manobra perigosa/arraste de pneus”, “ultrapassagem em local proibido”, “estacionamento irregular”, etc.


O que diz a legislação de trânsito

Mas o fato de o condutor não ser notificado não nos parece condizente com o devido processo legal. Contudo, a legislação de trânsito parece mesmo ter tomado o caminho de contentar-se só com a notificação endereçada ao proprietário do veículo. 

Vejamos o art. 282 do CTB e a Resolução Contran nº 918/22):

CTB, Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021)

Resolução Contran 918/22; Art. 4º. Com exceção do disposto no § 5º do art. 3º, após a verificação da regularidade e da consistência do AIT, o órgão autuador expedirá, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a NA dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar os dados mínimos definidos no art. 280 do CTB.

O CTB nem mesmo cita de forma expressa a figura do proprietário ou do condutor a respeito da notificação da autuação. O artigo 282, acima destacado, diz respeito à segunda notificação (também obrigatória) de imposição da penalidade e, interessante notar, o § 3º do mesmo artigo parece mesmo dar margem à desobrigação de enviar a notificação da autuação ao condutor. Veja:

§ 3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento.

Vale lembrar que o CTB não trata de forma distinta o processo de imposição de multa, suspensão e cassação, por isso na redação cita “notificação… ao infrator”, porque no caso de processo de suspensão ou cassação, por ser vinculado à CNH, todas as notificações serão endereçadas naturalmente ao condutor – endereço cadastrado à CNH -, que não é o caso aqui tratado.

Conforme se vê, o texto do Contran vai realmente no sentido de se exigir só a notificação do proprietário, embora no art. 14 mencione a figura do condutor no caso da citação por edital.

Mas não devemos esquecer de que resolução não pode se sobrepor às leis (sentido estrito) e à Constituição Federal. Nem a lei pode se sobrepor à Constituição Federal.

O prejuízo ao direito de defesa é evidente; porque o condutor não notificado poderá desconhecer evidentemente os prazos para defesa ou recurso, ou mesmo incorrer na situação de sequer saber da lavratura do auto de infração contra si, visto que pode ser abordado pela autoridade policial e não ser informado (por algum motivo não lhe foi explicitado ou informado) da lavratura do AIT. 

Outra situação, não rara, é quando o condutor se recusa a assinar o AIT (é um direito seu), e por isso não tem as informações precisas a respeito do auto de infração para uma eventual defesa.

Com efeito, a notificação prévia e o direito de defesa perfazem exigência da própria natureza do processo (em sentido amplo), portanto não poderia ser aceitável a restrição de tal direito tão amplamente conhecido e garantido inclusive pela CF. Ressalta-se que o CTB pode ter sido omisso, mas não restritivo.


Recurso na via administrativa

Ocorre que esta ausência de notificação do condutor, mas havendo a notificação do proprietário, na prática, não é considerada uma ilegalidade no processo pelos órgãos de trânsito.

O que se vê, ao questionar o tema na via administrativa, são decisões alegando, em síntese, que a notificação ao proprietário é suficiente para cumprir com as formalidades legais e o devido processo legal. Não há, segundo eles, previsão legal para se exigir uma notificação extra, dirigida ao condutor não proprietário.

Como a questão não gera muita ressonância no judiciário, esta ausência de notificação do condutor que não é proprietário permanece no automático, sem ajuste na legislação.

Mas o motorista deve sempre se atentar a respeito da notificação, porque pode ser que nem o proprietário a receba. 

Na via administrativa, portanto, não há muito que fazer. Resta-nos o judiciário.


Jurisprudência (decisões judiciais) a respeito da ausência de notificação do condutor autuado que não seja proprietário do veículo

Em pesquisa acerca de julgados nos tribunais, temos boas notícias. Vê-se claramente a defesa do devido processo legal, cabendo a anulação do auto de infração e do processo administrativo, por consequência das penalidades, sempre que se verificar prejuízo a ampla defesa do condutor.

Para não alongar demais este artigo, verificamos na jurisprudência a recorrente citação da obrigatoriedade da dupla notificação ao condutor identificado. É firme o entendimento de que o condutor (pessoa diversa do proprietário) deve ser notificado.

A premissa desse entendimento é sustentada com rigor, além dos fundamentos do CTB e resoluções do Contran, na súmula 312 do STJ, que fixou a seguinte redação:

No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração.”

A obrigatoriedade de notificação, em última análise, decorre do princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, inciso XXXV e LV, da CF/88), especialmente para preservar a ampla defesa que é assegurada a todos no polo passivo de um processo. Embora administrativo, não esqueçamos o caráter punitivo do processo. Observemos:

Constituição Federal, art. 5º, inciso LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.


Conclusão!

Nota-se que há fundamento para a anulação e cancelamento do auto de infração e, por consequência, da multa e demais penalidades porventura vinculadas ao AIT; isso, porque, como vimos, é uma garantia constitucional e ao condutor não pode ser sonegado o direito de defesa.

Assim, é importante o condutor atentar-se a este ponto e alegar tal direito em seu recurso administrativo .

Interessante observar que a Lei nº 14.229/21 introduziu o § 7º no art. 282 do CTB, em vigor desde 22/10/2021 , com a seguinte redação:

O descumprimento dos prazos previstos no § 6º deste artigo (ou seja, a notificação da penalidade) implicará a decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade.

Essa inovação legal no processo administrativo, sem dúvidas, é importante e certamente elimina a linha de entendimento outrora adotada o qual sustentava que o órgão de trânsito poderia refazer a notificação da penalidade. 

Agora, verificada a não notificação da multa de trânsito (assim como a notificação da autuação), não há como desconsiderar a nulidade do processo e do auto de infração – e das penalidades, evidentemente.

Caso queira uma análise mais detalhada do seu caso, entre em contato conosco. 

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